sexta-feira, 13 de abril de 2012

Quem sabe...


Abro o forno. Tiro de lá um bolinho de laranja delicioso, de uma laranja especial. Ela está mais amarelinha, mais cheirosa e saborosa do que nunca. Coloco na janela. A cortina balança com um ventinho gostoso, que traz cheiro de mata, de flor, de sol.

Olho pra fora. Meu jardim está em festa. As flores parecem antecipar o que vem. Meu banco amarelo pede companhia. Minhas unhas tem resquício de massa, minha roupa denuncia que andei cavocando por aí.
Todo o ar canta. Tudo está assim, dançando ao vento e ao som da cachoeira que corre lá ao fundo.
Talvez ele venha hoje. Capricho no café. Será que vai preferir mate? Talvez chá... a erva-doce do jardim se balança como quem diz "Me escolhe!".
Não há dor nem correr. Não há medo nem pesar. Só um intenso preparar. Ele está sempre chegando, sempre presente, rodeando meu pensamento e minhas ações. Faço tudo pensando nele.
Arrumo a cama, varro o chão, canto e cozinho na expectativa. Faço tudo pra que ele se sinta o melhor, o mais especial, meu escolhido desde todas as eras.
Limpo o banco do jardim. Amarelo, como ele gosta. Aliás, me deu uma mão maravilhosa, e serrou todas as madeiras desse banco. Lixamos, pintamos e montamos juntos, fizemos a maior sujeira, dando gargalhadas e contando as últimas que andavam acontecendo por aí. Sentei perto do torno e da serra, só pra sentir o cheiro da madeira que se deixava cortar, feliz e exalante, porque a causa era nobre. Não há carpinteiro igual nos arredores. O corte dele parece não doer, só transformar.
Ele me conta histórias de tempos que não acho que vivi, de dores que não sei se senti, de reencontros. Parece um filme, onde eu atuo, mas perdido numa vaga lembrança. Fico qual criança, que nem pisca, que se delicia. Ele toma meu café, às vezes um mate, às vezes um chá. E elogia meu bolo. Ah, se elogia! Dia desses até pediu a receita. Como se não soubesse...
Daí vamos para a cachoeira. Acho tão engraçado... o barulho da água correndo nas pedras parece sair da boca dele. Ele tem uma voz linda, ora de mar, ora de rio, ora de chuva.
O dia termina. Ou eu acho que termina. Nunca sei. Só sei que ele me dá um beijo de boa noite (ou será bom dia?). Nunca sei... só sei que em meus sonhos ele está, ajeita minhas cobertas, mais uma história.. Meu amigo, meu sol, meu ar, meu pai. Se ele me deixasse, eu esvaziaria feito balão que voa ao vento, eu não seria, não existiria. E durmo em paz. Amanhã (ou será hoje?) ele vem de novo. Ele sempre vem. Será que vai querer café?

E se... o céu for aquele lugar secreto de dentro do nosso coração, pra onde sempre queremos voltar, mesmo sem nunca ter estado lá?

Publicado originalmente no "Alma Garimpeira" (blog escondidinho que também mantenho pra qdo a inspiração ultrapassa as tintas e a casa)

Sheila

2 comentários:

  1. Lindíssimo texto, querida!
    Senti o cheiro do bolo. ouvi o barulho do vento, das águas caindo nas pedras...e senti quando Ele caminhava na direção da sua casa!
    Com certeza, a casa dele é o coração que o ama, que o recebe!
    Amei o texto, o cantinho, as sugestões, quanta criatividade... tudo tão cheio de vida por aqui!
    Bjs e que Ele esteja sempre nas suas duas casas!

    ResponderExcluir

Vou ficar muito feliz se você comentar! Sua participação me inspira!